A Sociedade do Cálice
Era uma vez um pequenino anão chamado Maumau...
Maumau era baixo, feio, de pele grossa e unhas carcomidas. Como todo anão, sua visão era de pouco alcance, estreita, curta, limitada. Felizmente, Maumau tinha consciência dessa limitação e buscou um tutor, um guia. Um guia que o orientasse frente a este mundo de seres tão grandes e tantos desafios. Após anos de busca incessante, este pequeno ser encontrou uma fada. Uma linda fada bailarina chamada Josi.
Josi era alta, loira, bonita e inteligente. A bailarina, seduzida pelo pequeno ser, passou então a orientá-lo frente às vicissitudes da vida.
Ah, as artimanhas das loiras...
Entre outras coisas, mandou-o estudar em uma escola de fama discutível. Era um teste para o caráter do pequeno anão.
Ao longo de seu período de estudos, Maumau pôde demonstrar seu valor, sua curiosidade e determinação. Desde o início, destacou-se entre os seus colegas de pouco brilho. Um poderoso mago, mentor de uma das linhas filosóficas da escola, identificou no pequenino, potencial para vôos maiores. Este mago, de origem espanhola, era chamado de Sacramento. Um estranho ser, com longos cabelos brancos, brincos reluzentes e um humor cáustico e volúvel. Sacramento acolheu-o em sua troupe de gnomos e duendes... Além do mago, três gnomos estiveram juntos de Maumau ao longo de sua jornada... Um deles, Orlando, com poucos cabelos, grande, gordo, falastrão e com uma bengala torta, foi amigo inseparável... Outro, Jocelito, é um duende alto, magro e com cabelos que mudam de cor, de um momento para o outro, dependendo de seu estado de ânimo... Finalmente, Max, um pequenino duende, com risada estridente, por vezes gordo, por vezes magro, porém sempre se achando forte. Este pequeno grupo tinha como missão, como grande desafio, encontrar o cálice da sabedoria...
Ao longo de sua jornada, tiveram no seu encalço uma outra tutora, da mesma escola, porém do lado negro da força. Seu nome era Truculenta. Era uma bruxa loira, magérrima, com um nariz pontudo e que se auto-intitulava guardiã de toda a sabedoria. Dizia que o cálice era seu por direito e que todos os outros deveriam se ajoelhar frente a ela quando tivesse a posse do artefato. Apesar de suas tentativas, Sacramento conseguiu criar uma aura de proteção contra as ofensivas de Truculenta.
O cálice da sabedoria foi fundido em uma liga de metais mágicos por silfos e elfos da região de Hélade; hoje chamada Grécia. Ele tem o poder de emanar uma aura de luz branca intensa que desenvolve o esclarecimento, a ciência e a consciência em quem dele se aproximar. Por isso, diversos povos, por diferentes razões, anseiam pelo controle do cálice.
Um dos mais perigosos é formado pelos Ignaros. Os Ignaros são seres pequenos, saltitantes, de pele esverdeada, e que habitam os corredores das escolas e universidades cooptando seguidores. Eles seduzem os jovens estudantes através de música, danças místicas, infusões alcoólicas e fumo de ervas mágicas. Através de estratégias tão vis, conseguem dispersar a atenção dos seus alvos, fazendo-os esquecer de livros, papiros e pergaminhos. Seu objetivo fundamental é disseminar a ignorância, destruir a ciência e adorar o deus do desconhecimento. A principal estratégia é a destruição do cálice da sabedoria.
O guardião deste cálice é um poderoso feiticeiro, chamado Despopoulos. Conta a lenda que Agamemnon Despopoulos, acossado pela horda dos ignaros, teria embarcado em um veleiro com o cálice da sabedoria. A fim de protegê-lo, Despopoulos, transportou-o para um lugar seguro, a salvo do povo ignaro. Infelizmente, o feiticeiro nunca mais foi visto e diversas versões surgiram sobre o seu paradeiro...
O povo Ignaro brada que Despopoulos teria sido morto, por um imenso monstro marinho chamado Caríbdis e que o cálice teria sido destruído... Outra possibilidade é que ele tenha sido abduzido por seres extraterrestres interessados na sapiência do feiticeiro e que ele viva na constelação de Órion, mais exatamente na estrela de Betelgeuse, iluminando os espíritos terrenos. Por outro lado, existem evidências que o feiticeiro estaria refugiado em Atlantis. Segundo a crença, o povo de Atlantis vive numa Ilha localizada para além dos pilares de Heracles, onde o Mediterrâneo terminava e o oceano começava. Quando os deuses helênicos partilhavam a terra, a cidade de Atenas pertencia à Deusa Atena e Hefesto, mas Atlântida tornou-se parte do reino de Poseidon, Deus dos mares.
Durante anos a troupe de Sacramento buscou incessantemente o cálice de Despopoulos. Chegaram a enviar missões exploratórias ao suposto local onde se encontraria Atlantis. Sem sucesso... O pequeno anão, cansado, desmotivado, buscou o colo de sua guia. A bailarina, acariciou lentamente seus cabelos emaranhados e disse: Procure o mago das Prostaglandinas...
Maumau olhou com espanto e curiosidade para Josi e perguntou: Mago das Prostaglandinas? Quem é ele? Onde encontro este mago?
Josi então lhe respondeu: No alto da escadaria do castelo de Sarmento. Enfrente-o e ele lhe abrirá os portais que o levarão ao cálice de Despopoulos. Maumau prontamente pôs-se de pé. Sua estatura não impunha respeito, mas sua galhardia o impulsionava... Iniciou então uma nova jornada. Dias depois, subiu as escadarias do castelo. Bateu, timidamente na porta do mago das prostaglandinas. Não imaginava o que o esperava... Uma curiosa figura o atendeu. Era um ser quase tão baixo quanto ele. Um pequeno bigode se destacava em uma cara redonda, emoldurada por um cabelo crespo. Uma barriga rotunda. O pequeno anão identificou imediatamente um ogro. Um sábio, mas ainda assim um ogro... O salão emanava um odor característico. Fumaça de tabaco, cheiro de animais e odores que Maumau nunca havia sentido. O mago o convidou a entrar com um grunhido. Após acomodar-se em uma poltrona com o tecido carcomido sentiu-se observado por outros seres que circulavam pelo ambiente. O mago, com pequeninos olhos brilhantes, fitou-o por um momento. Subitamente desferiu-lhe uma pergunta. Por que estava ali? Maumau respondeu-lhe: Preciso de orientação para encontrar o cálice de Despopoulos. O mago irrompeu em risos. Gargalhou, dando tapas em seu abdômem, frente aos olhos estupefatos do pequeno anão.
- Quem pensas que és? Vociferou o mago.
- Por que te achas digno de te ajoelhar frente ao cálice de onde emana toda a sabedoria?
Maumau timidamente respondeu: Sou um reles aprendiz... Fui enviado por Josi, a fada bailarina, e no meu aprendizado tive a orientação de Sacramento, o feiticeiro dos cabelos brancos. Estou disposto a realizar o mais simples dos trabalhos. Limparei os excrementos de teus animais, buscarei comida para teus comandados, te abanarei para aliviar o calor. Não me importa! Quero aprender o máximo que puder e seguir o meu caminho na busca pelo cálice de Despopoulos...
Hmmm... Rosnou o mago... Humilde e determinado.... Hmmm... Muito bom! Perfeito! Se for isso que queres, siga-me. Vamos ver de que material és feito...
Mostrou-lhe então toda a caverna. Nela, havia outros aprendizes. Dois deles se destacavam.
Lino, um outro ogro tão ou mais feio que o mago. Debruçado sobre caldeirões fumegantes, Lino trabalhava febrilmente. Inexplicavelmente, Maumau simpatizou com aquela estranha figura.
Havia também um duende, de origem italiana, chamado Bonatto. Calvo, baixo e falastrão. Ia e vinha dentro da caverna rindo e provocando a todos que encontrava. Tinha um ar galanteador, apesar da extrema feiúra. Provocava as fadas e sílfides que por ali estavam, trabalhando tanto ou mais que os machos. Ludmila, uma linda sílfide, Elza, uma fada com ar divertido, Daiane, uma fadinha ocupada e risonha e até mesmo algumas bruxas, trabalhavam e xingavam o duende. Vez por outra, Bonatto recebia um feitiço ou algo era arremessado contra ele. Certa vez, fizeram nascer em seu nariz uma cenoura. O duende nem se importava. Continuava rindo e provocando.
Maumau trabalhou por anos com o mago das prostaglandinas. Passava noites com Lino, Bonatto, outros duendes, gnomos, ogros e até mesmo o próprio mago... Trabalhavam e riam... Passavam as noites as voltas com ratos, poções, vidros e caldeirões. Muitas vezes bebiam uma aguardente, produzida no próprio laboratório, para espantar o tédio.
A cada momento que Maumau fraquejava, retornava à gruta de Josi para receber conselhos... A amizade entre ambos cresceu a tal ponto que acabaram por se enamorar. Passaram a andar sempre juntos.
Ao mesmo tempo em que o pequeno anão traçava o seu caminho com o mago do castelo de Sarmento, Josi passou também a buscar o caminho para o cálice de Despopoulos.
Para isso, uniu-se ao grupo de um ogro de origem polonesa chamado Reischak. Katiuce, Diana, Esther, e Josi eram fadas que trabalhavam para o ogro polonês. Eram guardadas por um grupo de orks, chefiados por um ent de nome Figueira. Os orks eram Luka, Bruno, Ricardo e muitos outros. Havia um anão, gordinho, de cabelo arrepiado, originário da fronteira oriental, conhecido como Pitiço. Além disso, Reischak cooptou parte do grupo do feiticeiro Sacramento. Para tal utilizou-se de estratégias de sedução através do cântico de seu grupo de fadas e sílfides. Logo que Orlando, Max e Jocelito ouviram o cântico que emanava da caverna do ogro, para lá se dirigiram, enfeitiçados. Foram então escravizados e passaram a trabalhar sob a autoridade das fadas de Reischak.
Os dois grupos, o do mago das prostaglandinas e o do ogro polonês, trabalhavam dia e noite, criando novas alternativas, novas hipóteses sobre o paradeiro do cálice de Despopoulos. De tempos em tempos se encontravam, em reuniões e conclaves e, através de muitos urros e gritos, tentavam convencer uns aos outros de suas teorias. Mapas eram descritos, demonstraçoes eram feitas.
Josi e Maumau se encontravam sempre nessas reuniões. Com o tempo, se envolveram ainda mais. E decidiram unir os dois clãs.
Sim... Através de sua união no mundo terreno, o clã das prostaglandinas e o clã dos Reischak estariam unidos também no mundo das idéias. O clã de Sacramento, por sua influência inicial, faria parte deste acordo também. Suas idéias foram submetidas ao conselho supremo, do qual, além dos líderes de cada clã, faziam parte também os seus pais. A união foi aprovada pelos líderes.
No entanto, alguns antigos colegas de Maumau, do clã de Sacramento, tentaram por todas as formas impedir a união. Não admitiam dividir o pequenino com uma mulher como Josi. Chegaram ao ponto de atraí-lo para um festim, a fim de enfraquecê-lo. O local onde se dava o festim era conhecido por Gruta Azul. Ali eram encontradas mulheres de vida fácil, bebidas e prazeres inenarráveis. As tentações foram em vão. Nada fez o pequeno anão desistir de seus sonhos.
Uma grande festa foi marcada. A melhor aguardente foi destilada. Javalis, perdizes e faisões foram sacrificados. Doces à base de mel e licor foram confeccionados. Os convites foram feitos.
Numa noite chuvosa, os convidados se reuniram em um templo. Alegres, barulhentos, vestidos com seus melhores trajes. Via-se aqui e ali, peles de animais raros, ouro e jóias, sobretudos de veludo, coroas e anéis, tatuagens. O pai de Maumau, chamado Krause, era um anão ainda menor que ele, com um bigode desproporcional sob o nariz. Krause ria e dançava de felicidade, acompanhado por sua esposa, uma fada tão loira quanto Josi.
Uma corneta eccou anunciando o início da cerimônia...
O mestre de cerimônias era um senhor estranho. Usava uma lingua incompreensível e vez por outra necessitava de um tradutor colocado em um púlpito próximo. Após bradar uma série de frases ininteligíveis, conclamou a todos para desejarem, em uníssono, a união de Maumau e Josi. Ambos juraram manter a busca pelo cálice de Despopoulos. Em um momento, o mestre de cerimônias, sugeriu algo sobre as funções da língua. Em função da dificuldade de compreensão, poucos deram importância ao fato. Após a cerimônia todos se deslocaram para uma clareira em um bosque onde a festa esperava por todos.
Uma das ausências notadas foi a do Mago das Prostaglandinas. Diz-se que, na ânsia de dar a Maumau o caminho para o esconderijo de Despopopulos, como presente de casamento, o mago teria exagerado no trabalho e na aguardente e desfalecido entre frascos de prostaglandinas e lipocardium.
Orlando e Bonatto, que também não foram à cerimônia, teriam sido vistos de mãos dadas, correndo nus, em um bosque enfeitiçado conhecido por Redenção, próximo a um castelo militar. O fenômeno parece ter sido efeito de um feitiço lançado por alguma bruxa da comunidade dos Ignaros, ou ainda por um exagero na ingesta de extrato alcoólico de pilocarpina e glutationa.
O pequeno anão, de nome Pitiço, ao se encaminhar para a festa, foi atacado por uma horda de Ignaros e recebeu um imenso talho de cimitarra na retaguarda. Mesmo ferido ainda conseguiu espantar parte do bando a planchaços de facão três listras. Exaurido, desfaleceu e foi encontrado por uma tribo de gueixas, que o escravizaram sexualmente. Nunca mais ouvimos falar do pequeno...
Independente dessas ausências, a festa foi animada. Embalados pela aguardente, Reischak, o ogro polonês, Sacramento, o feiticeiro; Lino, o ogro; Figueira, o ent; os gnomos Luka, Max, Bruno, Ricardo e Jocelito; as fadas Esther, Diana, Katiuce, Elza, Ludmila e Mari; a bruxa Ângela e muitos outros dançavam alegremente, vendo Maumau e Josi felizes...
Subitamente um forte vento invadiu a clareira, levantou folhas e vestidos e apagou as tochas. Somente algumas restaram acesas. Estranhamente, elas formavam uma seta, um caminho... No ar flutuava, brilhando, um cálice dourado, emanando uma intensa luz branca. Próximo a ele, a sombra de um veleiro. Com certeza, o veleiro de Agamemnon Despopoulos, guardião do cálice da sabedoria.
Um grito varou a noite. É ele! É o guardião do cálice da sabedoria! É Despopoulos! - urrava um ork, vestido em andrajos dourados e verdes.
Os gritos eram desnecessários. Todos entenderam. Era um sinal. A busca deveria continuar. Alguns imediatamente lançaram mãos aos seus equipamentos, desejando partir em mais uma expedição. Felizmente, uma voz irrompeu no meio de toda aquela algazarra.
Parem!!! - Vociferou Krause, o anão, pai de Maumau...
Hoje é dia de festejar. Hoje é dia de comemorar a formação deste clã, desta irmandade. Amanhã iniciaremos novamente nosso trabalho. Amanhã a Irmandade do Cálice de Despopoulos partirá em busca de Atlantis. Todos viram o sinal. Ninguém duvide da força desta sociedade. Que nenhum Ignaro ouse cruzar por nosso caminho. Esta sociedade é abençoado pelos deuses da sabedoria. Por aqui já passaram Houssay, o oriental; Levy, o feiticeiro; Ganong, o forte; Guyton, o manco; Costill, o nadador; Astrand, o velho; Saltin, o viking e muitos outros... Não podemos esquecê-los. Devemos honrá-los através de nossos atos. Queridos amigos - continuou Krause - bebamos e dancemos para homenagear Maumau e Josi. Que eles possam ser os verdadeiros guardiães dos ideais de nossa sociedade.
Imediatamente, todos gritaram alegremente, lançando chapéus e capas para cima, já antevendo as aventuras que, dentro em breve iriam iniciar...
Sobre todos, sem que ninguém mais notasse, silenciosamente, flutuava a sombra de um veleiro...
FIM
Psicografado pelo Mago Polonês
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